quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Num país racista, educar para as relações etnico-raciais não é uma opção.

Num país racista, educar para as relações etnico-raciais não é uma opção. Ou imagina o que aconteceria se Walcyr Carrasco aproveitasse a falsa polêmica para falar sobre racismo e infância. Bem, se não estão felizes com o que estou fazendo contra o preconceito, tiro o personagem da novela e acaba a polêmica. Eu escrevi Xica da Silva, primeira novela com protagonista negra no Brasil. Isso sim é lutar contra o preconceito.
 
Num país racista, educar para as relações etnico-raciais não é uma opção.
 
Por Charô Nunes
 
Seria apenas uma questão de “traduzir”, de “retratar” a realidade. O mesmo argumento está sendo usado agora para justificar um pai branco raspe o cabelo comprido e natural do filho negro após este ser adotado. Para Walcyr Carrasco, deveríamos estar contentes por sermos minimamente representados através de cotas que pretendem tudo, menos ser inclusivas. Todo o resto não importaria muito. Mais uma vez. Veja, uma novela é apenas uma novela certo?
 
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Não é de se estranhar. Esse é o lugar do negro na novela atual de época onde são incubados racismo, sexismo, cisheteronormatividade, entre outras coisas. É no folhetim que homens brancos fazem negócios e política, mulheres brancas são alguma coisa de alguém (esposas, filhas, namoradas) e nós, não-brancos, ocupamos espaços de subserviência. Somos empregadas domésticas, motoristas, caseiros. Com muita bondade um menino adotado, Pra Walcyr Carrasco deveríamos ser nada menos que gratos obviamente.
 
Sim, é incomum vermos negros serem adotados. Precisamos falar sobre. Por isso a adoção de uma criança negra como Jayminho é mais do que especial. Há alguns anos, impensável. Um passo gigantesco, ninguém discorda de Walcyr Carrasco. Ao mesmo tempo, é insuficiente. Adotar uma criança não dá o direito de dispor sobre seu corpo de outrem. A tensão racial só torma aquilo que é gravíssimo no inominável, Mais uma vez o menino negro é apenas uma peça sobre quem o homem branco, autor ou pai, pode decidir de acordo com seus interesses.
 
Alguns dirão que é um ato de proteção, com o cabelo cortado o menino não “sofreria tanto preconceito” nos ambientes que irá frequentar. Isso pra mim não é amor. É se esquivar de seu próprio racismo. O problema não é aquele que aponta o dedo, que chama de feio, que acha sujo, O problema é o cabelo do menino que significaria uma série de atributos negativos. Não do branco racista que não sabe lidar com a beleza de nossos cachos e crespos. Mais uma vez, isso não é amor. É racismo Walcyr Carrasco.
 
Num país racista, educar para as relações étnico-raciais não é uma opção. É tão necessário quanto alimentar, vestir e carinhar. Parentais, de todas as cores, precisam entender isso. A partir do momento em que um autor se propõe a “fazer algo contra o preconceito”, tem a obrigação de ir além. Nesse caso, abordar os obstáculos (e as delícias) de se educar uma criança negra. Sem isso, descreve um simples ato de caridade que não se sustenta. Walcyr Carrasco fez da criança um objeto de consumo. Um amigo negro, um filho negro. Olha como é bonitinho, se comporta (e até parece) branco!
 
Falta a percepção de que a luta antirracista não pode ser… Racista! Que não basta circunscrevê-la num pequeno intervalo de tempo e espaço. Que não ter sido racista ontem não impede ninguém de ser racista amanhã. Que a pior coisa a ser feita quando confrontados com nosso próprio preconceito é assumir uma postura intransigente e errática. Uma pena. Imagina o que aconteceria se Walcyr Carrasco aproveitasse a falsa polêmica para falar sobre racismo e infância. Apenas imagina.


Fonte: Indigestivos Oneirophanta. Publicado em http://www.portalafricas.com.br/num-pais-racista-educar-para-as-relacoes-etnico-raciais-nao-e-uma-opcao/#sthash.SqLP7Jsr.dpuf

sábado, 19 de outubro de 2013

Esconder o racismo objetiva mantê-lo hegemônico

Esconder o racismo objetiva mantê-lo hegemônico

Flávio Passos*

"Racismo aqui existe, sociedade não admite. 
Existe preconceito, sociedade vê direito! 
Elite branca se olhe no espelho! 
Exigimos justiça! Exigimos respeito!" 
(Mestre Chimbinha e Diego Guerreiro. "Racismo Aqui Existe", 2006). 


Até hoje ninguém me convenceu do porque, nos últimos anos, coincidentemente, tem-se adotado - não obstante toda campanha anti-estrangeirismos na linguagem - o termo "bullying" em substituição, não apenas semântica, mas principalmente, temática, de termos muito mais coerentes com a nossa realidade de violência racial, quais sejam, preconceito, discriminação e racismo. 

Tivesse a literatura, principalmente na área pedagógica, dado conta de ressignificar o termo dialogando com a nossa plural e complexa realidade brasileira, principalmente no que tange as questões dos preconceitos, poderíamos acreditar na não intencionalidade de se invisibilizar a questão racial em tempos de ações afirmativas, políticas de cotas nas universidades e no serviço público, conquistas de marcos legais para a cidadania dos povos quilombolas, indígenas e ciganos, como também para as religiões de matrizes africanas. 
Maurício Pestana

Paradoxalmente, quando se fala no tal do "buuuuu-lllllly-iiiing", a educação das relações étnico-raciais é simplesmente ignorada, voluntariamente esquecida. Aliás, definitivamente, o sentido de tanta importância ao bullying é que ele não é "problemático". Levantar sua bandeira nem causa "mau estar" em ambientes eivados de racismo e preconceitos diversos. É bonito. Tá na moda falar e combater o bullying. No entanto, olhando com mais atenção, ele esvazia o problema ao tratar a prática do preconceito racial, não como crime, mas como um mau comportamento. Demoramos muito pra conseguir a criminalização da prática do racismo pra agora vê-lo transformado em mero "bullying". 

Não há uma tradução exata para o termo, talvez "intimidação" seja a mais fiel. Entretanto, um caráter implícito ao significado do termo e do que a prática dele significa, a repetitividade da intimidação, seria mais um motivo para não se ter havido o esvaziamento da questão racial na educação. A emergência da temática do "bullying" aponta para um contexto de intolerâncias diversas e abrangentes. O outro, por não se enquadrar em um modelo padrão, predominante, passa a ser alvo de agressões e violências físicas ou psicológicas. Porém, no Brasil, o racismo é uma prática cotidiana mais que repetitiva. Este se reinventa, não sendo suprimido, nem com a mobilidade social, nem com o pertencimento ideológico, nem com as conquistas de cidadania por parte de grupos historicamente alijados. E, diferente do bullying, não é uma agressão entre pares, é uma agressão - proporcionalmente mais forte - entre diferentes, porque presumidamente também desiguais.

A ênfase no "bullying" presta o desserviço de apagar a cor e a classe de nosso racismo sócio-racial, nada cordial. É a busca incansável do pensamento hegemônico de desconstruir a memória africana e negra no Brasil. E é como que se a classe média quisesse dizer: "ó, nós também sofremos, e muito, com preconceitos de toda sorte". E, no Brasil pós 10.639/03 e pós-Cotas, a mídia burguesa - de forma militante, a Globo (Jornal e TV), mas também as revistas de grande circulação como a Veja, a Folha e o Estadão -, ao mesmo tempo que impõe um silêncio quanto ao avanço que são as políticas de ações afirmativas, incute essa nova expressão no cotidiano social tentando "naturalizar" o seu uso para, aos poucos, introjetá-lo no ambiente escolar, pelas janelas da tela e das redes sociais. Primeiro, um dos diretores do Jornal Nacional, Ali Kamel, quis convencer não sei a quem de que "Não somos racistas". Depois, o programa "Altas Horas", entre 2009 e 2011, bateu na tecla "anti-bullying". Agora, a temática está disseminada na grade da emissora, especialmente em programas como o Globo Repórter de hoje que veio com o tema em letras garrafais no título. Só alguém que não tenha sofrido ou que não sofra cotidianamente o racismo, o preconceito e a discriminação raciais, cai nessa balela. 

Entretanto, após 10 anos da 10.639/03, a educação brasileira tem resistido a essas manipulações e mantém na formação de seus profissionais a densidade da reflexão sobre as diversas formas de racismo presentes em diversos setores da sociedade, especialmente na escola. O racismo, reinventado, se reconfigura nas suas dimensões estrutural, ambiental, religiosa, territorial, cultural, institucional, midiática, linguística... para desembocar no relacional. E precisa ser combatido em cada uma delas com estratégias específicas e eficazes de superação que pressupõe uma desconstrução do racismo, do pensamento hegemônico, da branquitude. E isso só será possível com a educação plural. Não será o "bullying étnico" que dará conta de contemplar a radicalidade do nosso racismo brasileiro, pois o problema não está nas agressões entre adolescentes na sala de aula. 

O problema do racismo brasileiro se confunde com os quatro séculos de escravidão africana que está na origem desse país e com o projeto de nação que se descortina no Pós-Abolição, quando negros passam a ser um "problema" para a elite e para o Estado. Segundo a professora Josildeth Gomes Consorte, no texto "A questão do negro: velhos e novos desafios" (1991), “a definição do lugar do negro na sociedade brasileira sempre se constituiu um problema para o Estado, para as elites e para o próprio povo” (CONSORTE, 1991, p. 87). 

E, nessa última década, mesmo com todas as mudanças ocorridas na economia e no acesso dos mais pobres a bens e serviços antes restritos a uma pequena parcela da população, a população negra está ainda mais exposta à violência e à morte. Os indicadores críticos continuam apontando - via IBGE, via IPEA, via o Mapa da Violência, dentre outros - que o negro morre mais cedo e de forma violenta. Os movimentos sociais negros históricos já apontavam pra essa realidade há mais de três décadas. Os últimos dados da Pesquisa "Participação, Democracia e Racismo?", do IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas) publicados nesta quinta, 17, revelam que 70% das mortes violentas de jovens entre 15 e 29 anos são de negros. Ou seja, ser negro e ser negra no Brasil aí está no nível da sobrevivência, da luta por manter-se vivo, muitas vezes, tendo como algoz o próprio Estado, ao não garantir as políticas básicas de saúde, educação e liberdade de existir e de se manifestar. A política mata, e também o mau atendimento médico, e também a negligência na educação mata ao não garantir a implementação de uma lei que obriga a se trabalhar a educação das relações étnico-raciais e a inclusão dos conteúdos de história e cultura africana e afro-brasileiras no currículo escolar brasileiro. 

Como todas as demais formas de preconceito, o racismo também não cabe em uma sociedade que se quer democrática e desenvolvida. No entanto, é preciso combatê-lo e não diminuir a gravidade da sua violência, nivelando-a com outras práticas ou, no caso do bullying, diluindo-a em uma gama de outros tipos de agressões. Como bem disse a ex-ativista do Partido Panteras Negras, Ericka Huggins, "esconder o racismo não o faz ir embora". Ou seja, se ao falar de bullying sempre se ausenta a questão racial, sempre se invisibiliza a problemática da intolerância religiosa que existe nas escolas, ou a hostilização de colegas, funcionários e professores contra a presença de cotistas pobres, negros, indígenas ou quilombolas nos espaços universitários, isso não por acaso. Há uma intencionalidade movida pelo próprio racismo. 

Escamotear ou camuflar nossa prática social mais desumanizadora não resolverá nossos problemas, apenas adiará a construção de uma sociedade que respeite a pluralidade, inclusive, a racial. Esconder o racismo objetiva mantê-lo hegemônico, enquanto estruturador de uma sociedade racialmente desigual.

"Tristes, porque esquizofrênicos, trópicos!" 

*Flávio Passos, mestre em Ciências Sociais pela PUC-SP, professor de Filosofia e Sociologia no Colégio Carlos Santana, em Belo Campo, BA, e assessor técnico de Promoção da Igualdade Racial na Prefeitura Vitória Da Conquista. E-mail do autor: br2_ebano@yahoo.com.br

sábado, 24 de agosto de 2013

Moçambique: Centenas de camponeses erguem enxadas e catanas contra chineses

    

Centenas de camponeses erguem enxadas e catanas contra chineses
Conflito de terra já atinge o Baixo Limpopo


 
• Na quarta-feira, a governo provincial enviou um contingente policial para dispersar os camponeses que impediam que os chineses trabalhassem.
• As comunidades acusam o governo de ser “arrogante e mau”, porque “não escuta as comunidades, limita se a dar ordens e sempre em detrimento dos interesses das comunidades”.
• O governo revela-se “partidário dos interesses dos chineses”, em prejuízo das comunidades.
 
Mais de 400 camponeses do Baixo Limpopo, nomeadamente das comunidades de Marien Ngoua­bi, Ndlangane e Chibonhanine, estas duas últimas trabalhavam na área de Chibonhanine, dis­trito de Xai-Xai, província de Gaza, revoltaram-se e ergueram enxadas e catanas contra a ac­ção chinesa de usurpação de terra. A ocorrência deu-se no passado 16 de Agosto corrente, na região de Matijelene.
 
De acordo com a informação do Fórum das Organizações Não Governamentais de Gaza (FONGA), os camponeses cul­pam o governo de não auscul­tar as comunidades, antes do concessionar a terra a investi­dores chineses. “Os chineses estão a devastar extensas áre­as, colocando a população fora do perímetro de irrigação sem qualquer satisfação”, revela a denúncia do FONGA, acres­centando que “à medida que a ocupação dos chineses vai se es­tendendo, instala-se o descon­forto entre os populares, que ameaçam semear nas áreas já lavradas pelos chineses”.
 
No passado dia 17 de Agosto, uma equipa do FONGA deslo­cou-se ao local do incidente, onde dialogou com algumas pessoas da comunidade, que confirmaram o facto. As mes­mas disseram que “neste mo­mento não têm onde fazer agri­cultura, apascentar seu gado, portanto, a sua sobrevivência está ameaçada.”
 
Os camponeses garantem que vão impedir a continuação da expansão dos interesses dos chi­neses, sendo que para o dia 19 do mês em curso haviam com­binado semear nas áreas lavra­das pelos chineses. Entretanto, tal não aconteceu porque foram informados que não o deviam fazer antes da resposta de que estavam à espera por parte das autoridades governamentais.
 
SACUDIDOS PELA POLÍCIA
 
Segundo Boavida Madonda, líder comunitário local e um dos afectados, os camponeses não foram semear no dia 19. Só que uma equipa de trabalhado­res chineses iniciou, no mesmo dia, a lavragem de uma outra zona dos camponeses. “Impe­dimos o tractorista de lavrar e informámo-lo que não o devia fazer antes que haja uma res­posta do governo em relação às preocupações que uma equipa nossa foi apresentar”, disse Ma­donda.
 
Para o espanto dos campo­neses, no passado dia 21 de Agosto, o governo provincial de Gaza enviou um contingente do polícia para dispersar os campo­neses, que impediam os chine­ses de lavrar a terra. “A polícia chegou, dispersou as pessoas e ordenou que os tractores dos chineses continuassem a traba­lhar”, lamentou Madonda, asse­gurando que neste momento os chineses estão a trabalhar.
 
“Nós apenas estamos a assis­tir à devastação das nossas ma­chambas e no nosso pasto. Mais do que a nossa sobrevivência, o problema é a sobrevivência do nosso gado. Agora, estão já a la­vrar os nossos campos de pasta­gem de gado”.
 
Sexta, 23 Agosto 2013 00:00 Lázaro Mabunda

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Juventude Negra e violência




Juventude negra: realidade, perspectiva e autonomia

 João Carlos Pio de Souza[1]

 Nos últimos anos tem crescido a preocupação do Estado e dos estudos acadêmicos pela questão da Juventude brasileira devido às suas demandas, vulnerabilidades e potencialidades.
Para caracterizar a juventude, as estatísticas brasileiras geralmente seguem os parâmetros de organismos internacionais, considerando o grupo etário de 15 a 24 anos. No recenseamento realizado em 2000, a população jovem nessa faixa etária constituía cerca 34 milhões de pessoas, o que representa 20% da população brasileira. Com o acréscimo nesse contingente dos indivíduos de 25 a 29 anos, em geral designados pelos demógrafos de “adultos jovens”, teríamos um total de 47 milhões. As juventudes são muitas e podem ser caracterizadas por classe social, cor, etnia, sexo, gênero, local de moradia etc.
Os jovens no Brasil representam um contingente populacional bastante significativo, em idade produtiva, que constitui uma importante força a ser mobilizada no processo de desenvolvimento de nosso país. A grande diversidade que marca a juventude, expressa as diferenças e as desigualdades sociais que caracterizam nossa sociedade.
A situação de vulnerabilidade a que está exposta a juventude é resultado das fragilidades do sistema educacional, das mudanças no mundo do trabalho, e este segmento etário é o mais destituído de apoio de redes de proteção social. O que é confirmado pelos dados do IBGE (2000), sobretudo no que se refere às disparidades de renda: a maioria dos jovens brasileiros (68,7%) vivia em famílias que tinham uma renda per capita menor do que 01 salário mínimo (dentre esses encontramos 12,2% (4,2 milhões) em famílias com renda per capita de até ¼ do salário mínimo). Apenas 41,3% (14,1milhões) viviam em famílias com renda per capita acima de um salário mínimo. Em relação à escolaridade, as estatísticas relativas a esse segmento social, são alarmantes. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD, em 2004, havia no Brasil 23,4 milhões de jovens de 18 a 24 anos, o que representava aproximadamente 13,5% da população total e apenas 7,9 milhões (34%) estavam frequentando a escola, portanto, 15,4 milhões de jovens nesta faixa etária estavam fora da escola.
            Nesta conjuntura verifica-se na sociedade brasileira a ampliação das discussões acerca da exclusão social, do combate ao racismo e à discriminação racial e vê-se a necessidade de construção de políticas afirmativas no âmbito do Estado Brasileiro, que de fato possam promover oportunidades iguais para todos e o combate à desigualdade racial.
            Particularmente, em relação aos jovens negros, dados revelam que estes são as principais vítimas da violência urbana, alvos prediletos dos homicidas e dos excessos policiais, além de lideram o ranking dos que vivem em famílias consideradas pobres e dos que recebem os salários mais baixos do mercado.  Eles encabeçam, também, a lista dos desempregados, dos analfabetos, dos que abandonam a escola antes de tempo e dos que têm maior defasagem escolar. Dados do IPEA (2005) revelam que o país conta com cerca de 11,5 milhões de jovens negros de 18 a 24 anos de idade, o que representa 6,6% da população brasileira. A taxa de analfabetismo, de 5,8%, é três vezes maior do que a observada para os jovens brancos 1,9%.
            Segundo Bento (2005)[2] no mundo do trabalho, o processo de exclusão vivido pelos jovens pretos e pardos não é diferente: maior dificuldade em encontrar uma ocupação, maior informalidade nas relações trabalhistas e menores rendimentos. Ainda segundo os dados oficiais, em 2003, de cada dez jovens negros de 18 a 24 anos de idade, quatro encontravam-se desempregados; entre os brancos essa relação era de um para seis. Quando, finalmente, o jovem negro consegue uma ocupação, essa é, em geral, exercida de forma bem mais precária que a do branco. Cerca da metade dos brancos dessa idade possuíam carteira assinada ou eram funcionários públicos; entre os negros essa proporção era de apenas um terço. Dentro desta realidade os jovens negros recebem uma renda média mensal de R$ 418,47, equivalente a 63% da dos brancos da mesma idade.
            As distâncias que separam negros de brancos, nos campos da educação, do mercado de trabalho ou da justiça, entre outros, são resultado não somente de discriminação ocorrida no passado, da herança do período escravista, mas também de um processo ativo de preconceitos e estereótipos raciais que legitimam, com frequência, procedimentos discriminatórios.
            Os homicídios são hoje a principal causa de morte de jovens de 15 a 29 anos no Brasil e atingem especialmente jovens negros do sexo masculino, moradores das periferias e áreas metropolitanas dos centros urbanos. Dados do Ministério da Saúde mostram que mais da metade (53,3%) dos 49.932 mortos por homicídios em 2010 no Brasil eram jovens, dos quais 76,6% negros (pretos e pardos) e 91,3% do sexo masculino.
            Em Minas Gerais[3], o Mapa da Violência de 2012[4], aponta que em 2010 as cidades com de 500 mil habitantes, como Belo Horizonte, Contagem, Juiz de Fora e Uberlândia, registram uma forte queda nas taxas de homicídio na ordem de 38,5%, o que foi impulsionado principalmente pela regressão na capital. Porém, vale lembrar que o mesmo estudo alerta para o fato que em cidade como Uberlândia e Juiz de Fora, interior do estado, as taxas crescem e, ao mesmo tempo, nos municípios com menos de 100 mil habitantes, as taxas tendem a crescer. No caso de Minas Gerais, assim como em todo o Brasil, o mapa da violência aponta para o processo de disseminação da violência via interiorização.

            Os dados do mapa da violência contra a juventude de 2012 apontam que no Brasil a taxa de homicídio era de 26,2%, em Minas Gerais de 18,1%, Belo Horizonte e Região Metropolitana de 33,8% e o Interior mineiro a taxa é de 12,3%. Em relação ao interior vale registrar que se registra um crescimento dos homicídios contra jovens, que em 2003 era de 10,1% e em 2010 a taxa cresceu para 12,3%.
            Na região metropolitana de Belo Horizonte, em 2010, as taxas de homicídios contra os jovens em Belo Horizonte era de 34,9%, em Contagem de 42,1%, em Betim de 56,9%, em Esmeraldas de 51,4%, em Santa Luzia de 36% e em Ribeirão das Neves de 33,1%.
            Os dados estatísticos identificam que as dificuldades e os problemas que enfrentados pela juventude brasileira e, especificamente, a negra, estão relacionados aos seguintes fatores: inadequação da qualificação para o mundo do trabalho; envolvimentos com drogas; gravidez na adolescência; as mortes por causas externas (homicídio, trânsito e suicídio); pouco acesso às atividades esportivas, lúdicas e culturais.
            Na medida em que se diagnosticavam as fragilidades da condição juvenil nos dias de hoje, ganha cada vez mais força a necessidade de criação de políticas públicas específicas para a juventude, que possam romper o ciclo de reprodução das desigualdades e restaure a esperança da sociedade em relação ao futuro do Brasil.
            Recentemente o governo federal lançou o lançamento do Plano Juventude Viva (http://www.juventude.gov.br/juventudeviva/o-plano), que é resultado da articulação interministerial para o enfrentamento da violência contra a juventude brasileira, especialmente os jovens negros, principais vítimas de homicídio no Brasil.
            O Plano reúne ações de prevenção que visam a reduzir a vulnerabilidade dos jovens a situações de violência física e simbólica, a partir da criação de oportunidades de inclusão social e autonomia; da oferta de equipamentos, serviços públicos e espaços de convivência em territórios que concentram altos índices de homicídio; e do aprimoramento da atuação do Estado por meio do enfrentamento ao racismo institucional e da sensibilização de agentes públicos para o problema. Em sua primeira fase o Plano está sendo executado no Estado da Alagoas, nos municípios de Maceió, Arapiraca, União dos Palmares e Marechal Deodoro, e conta ações voltadas para a juventude nas áreas do trabalho, educação, saúde, acesso à justiça, cultura e esporte.
            Nesse processo é preciso que se reconheça o jovem como ator social estratégico, o que implica na sua integração social, na participação, na capacitação e na transferência de poder para os jovens como indivíduos e para as organizações juvenis, de modo que tenham a oportunidade de tomar decisões que afetam as suas vidas e o seu bem-estar. Trata-se, conforme apontam vários documentos das Nações Unidas, trabalhar para a autonomização da juventude, que engloba os seguintes aspectos:
a)      Maior participação dos jovens, nas discussões e na tomada de decisões que influenciam as suas vidas;
b)      Acesso à informação relevante e oportunidades adequadas de participar em processos democráticos, acompanhando e fiscalizando as ações governamentais, de modo a exigir que suas demandas sejam efetivamente cumpridas;
c)      Aumento da capacidade dos jovens e das organizações de juventude para defender os seus interesses, desejos, demandas e da sua capacidade de lutar contra a exclusão, a discriminação e a pobreza;
d)     Conscientização dos jovens em relação aos seus próprios direitos e deveres e o estabelecimento de condições para que suas organizações possam defendê-los.
            A concretização desta perspectiva de autonomização da juventude pressupõe também o acesso à educação e à formação, aos serviços de saúde e oportunidades econômicas para aquisição de recursos e bens, ao lazer e à cultura, além de uma estrutura e valores institucionais que lhes deem apoio.
            Para finalizar, considero que não se trata de encarar a juventude apenas como problema, o que é extremamente perigoso, mas precisamos perceber seu potencial para encontrar soluções e para a renovação da sociedade e suas diversas instituições.

 
Referências bibliográficas:


CASTRO, Jorge Abrahão de; AQUINO, Luseni Maria C. de; ANDRADE, Carla Coelho de. Juventude e Políticas Sociais no Brasil. IPEA, Brasília, 2009. Disponível em < http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/pdf/20100119JUVENTUDE.pdf > Acesso em: set. de 2010.

Documento base da I Conferência Nacional de Juventude. Disponível em <http://www.ijc.org.br/site/sites/default/files/documento_Base_da_conferencia.pdf> Acesso em: ago. de 2010.
Edgar Mansur: Perfil da violência contra a juventude no Brasil e na América Latina. Disponível em <http://juventudeemmarcha.org> Acesso em: ago de 2010.

Juventude brasileira: perfil socioeconômico e participação. Disponível em <http://www.delasalle.com.br/dls/JuventudeBrasileira.pdf> Acesso em: ago. de 2010.

Plano Nacional Juventude Viva. Disponível em: http://www.juventude.gov.br/juventudeviva/o-plano> Acesso em: mar. de 2013.

Revista de Informação Legislativa - Brasília a. 41 n. 163 jul./set. 2004. Disponível em Acesso em: ago. de 2010.

SPOSITO, Marília Pontes. Os Jovens no Brasil: desigualdades múltiplas e demandas políticas. Disponível em: http://www.bdae.org.br/dspace/bitstream/123456789/2345/1/Jovens_Brasil.pdf> Acesso em: out de 2011.

WAISELFISZ, Júlio J. Mapa da violência 2012: novos padrões de violência no Brasil. Instituto Sangari, São Paulo, 2012. Disponível em < http://mapadaviolencia.org.br/pdf2012/mapa2012_web.pdf> Acesso em: mar. de 2013.
 


[1] João Carlos Pio de Souza Mestre em Educação em Educação pela PUC MG, responsável pela Comissão Nacional de Educação, Cultura e Meio-ambiente dos Agentes de Pastoral Negros do Brasil (APNs) e ex-membro do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR/SEPPIR) e ex-coordenador da Coordenadoria de Políticas para a Promoção da Igualdade Racial de Contagem/MG.
[2] http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/bpsociais/bps_11/ENSAIO4_Maria.pdf
[3] No ranking  das taxas de homicídio por unidade da federação, no total de 26 Estados mais o Distrito Federal, Minas Gerais ocupada a 24ª posição.
[4]  Disponível em http://mapadaviolencia.org.br/mapa2012.php

Racismo desumaniza mortes de negros no Brasil

Ministra da SEPPIR, Luiza Bairros, diz que sociedade não deve tratar com naturalidade mortes de jovens negros, que aumentaram 9% nos últimos anos



 

Ministra Luiza Bairros falando

Elza Fiúza/ABr 


Luiza Bairros: ministra da Seppir defende que mortes de jovens negros devem ser investigadas e punidas
 
Rio de Janeiro – A ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Luiza Bairros, disse hoje (13) que a sociedade não pode tratar com naturalidade o grande número de mortes de jovens negros no país. Dados publicados pela Agência Brasil em julho deste ano mostram que de 2006 a 2011 a taxa de homicídios de negros aumentou 9%, ao mesmo tempo em que a taxa entre os brancos caiu 13%.
 
Do total de homicídios cometidos no Brasil em 2011, mais de um terço teve como vítimas jovens negros. “Não podemos mais naturalizar essas mortes. Elas têm que ser investigadas, têm que ser punidas. As famílias das vítimas têm que ser mobilizadas no sentido de cobrar cada vez mais do setor público”, disse a ministra, em entrevista à Agência Brasil, no lançamento do programa de capacitação da Petrobras (BR) Distribuidora. Cerca de 26 mil frentistas que trabalham em 4 mil postos de combustíveis serão capacitados para lidar com questões raciais.
 
Segundo a ministra, “é um paradoxo se ter uma violência letal tão grande entre negros”, ao mesmo tempo em que são instituídas várias ações afirmativas para essa população. “Só podemos atribuir isso à permanência do racismo como um fator de desumanização das pessoas negras, fazendo com que a vida de um jovem negro apareça como tendo um valor tão pequeno já que ela está sendo desperdiçada em tão grandes números.”
 
De acordo com os dados, obtidos junto ao Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, dos 52.198 homicídios ocorridos no Brasil em 2011, 18.387 tiveram como vítimas homens negros entre 15 e 29 anos, ou seja, 35,2% do total.

Vitor Abdala, da 

terça-feira, 30 de julho de 2013

Barbosa nega candidatura: ‘O Brasil não está preparado para um presidente negro’

Para o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ainda há intolerância racial não declarada no Brasil. Em entrevista ao jornal O Globo deste domingo (28), ele afirma não ser candidato e diz que seu nome tem aparecido com relevância em pesquisas eleitorais por causa de manifestações espontâneas da população.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Caso Trayvon Martin deflagra debate racial nos EUA

Americanos protestam contra a absolvição de George Zimmerman em Los Angeles, 14 de julho de 2013 (AFP-Robyn Beck)

A absolvição do vigia branco George Zimmerman, acusado de matar o jovem negro Trayvon Marin na Flórida, reacendeu o estigma racial nos Estados Unidos, levando o presidente Barack Obama a pedir calma à população.
 
Milhares de pessoas foram às ruas em Nova York, Los Angeles, Chicago e Atlanta, entre outras cidades, para protestar contra o polêmico veredicto alcançado por um júri composto por seis mulheres (cinco brancas e uma de origem hispânica), que declarou Zimmerman, de 29, inocente da morte de Trayvon Martin, de 17.
 
Outros protestos estão marcados para sábado em 100 cidades dos Estados Unidos. "Haverá manifestações neste sábado em cem cidadese diante de prédios federais, para pressionar o governo e defender nossos direitos cívicos", anunciou Al Sharpton, líder da Rede de Ação Nacional (National Action Network, NAN), organização de defesa dos direitos cívicos.
Ele se declarou confiante de que o governo federal vá rever o caso.

 
Pelo menos seis pessoas foram detidas em Los Angeles na madrugada desta segunda, quando forças policiais dispersaram uma "concentração ilegal" que acontecia em Hollywood, perto do prédio da rede CNN. Outras 15 pessoas foram presas em Nova York, a maioria por desordens, segundo a Polícia. Todas foram liberadas depois.
 
O julgamento que terminou no sábado, em Sanford, centro da Flórida, dividiu o país entre os que acreditam que Zimmerman, um americano de mãe peruana, agiu em legítima defesa e aqueles que pensam que o vigia foi motivado por preconceito racial contra Martin. Zimmerman foi acusado de perseguir e atirar em Martin, que estava desarmado, durante uma briga entre os dois na noite de 26 de fevereiro de 2012.
 
"É uma vergonha que, em 2013, tenhamos um veredicto que legitima o assassinato de um negro porque se aceita o uso das armas de um civil contra outro", disse à AFP Amanda Hooper, uma jovem estudante de Nova York que estava de visita a Sanford e acompanhou as manifestações na frente do tribunal.
 
No domingo, após a explosão dos protestos, o presidente Obama pediu calma.
"Sei que esse caso provocou intensas paixões. No dia seguinte ao veredicto, sei que essas paixões podem se intensificar. Mas somos um estado de direito, e um júri falou", afirmou Obama, em nota à imprensa.

"Supremacia branca"
 
No ano passado, o caso já havia provocado manifestações em massa em várias cidades do país, que fizeram o presidente desabafar: "Se tivesse tido um filho, ele seria parecido com Trayvon". Na época, Obama convocou um debate sobre o racismo e a lei de armas da Flórida, que ampara a defesa pessoal.
 
Em contrapartida, o veredicto de sábado foi aplaudido por defensores das armas, por todos aqueles que apoiam a lei conhecida como "Stand Your Ground" ("Defenda sua posição", em tradução livre). Essa lei permite o uso de armas por parte de quem se sentir ameaçado de morte.
 
Até o momento, os moradores da Flórida reagiram com calma. No sermão de domingo, as igrejas incluíram mensagens de paz pelo veredicto, além de pedir que a luta por justiça seja travada nas instâncias adequadas.
 
Valerie Houston, uma influente pastora da igreja Allen Chapel AME em Goldsboro, o bairro negro de Sanford, citou o líder Martin Luther King em seu sermão de domingo, para lembrar que "a violência (em resposta) à violência apenas traz ódio". Ainda assim Valeria declarou que, com a decisão judicial, "o dia a dia do meu povo ainda está escravizado pela sociedade da supremacia branca".
 
Os pais de Trayvon Martin, ausentes durante o veredicto, pediram manifestações pacíficas, citando Martin Luther King e a Bíblia.

"Dúvida razoável"
 
As juradas que absolveram Zimmerman da acusação de assassinato em segundo grau - com a possibilidade de pena de prisão perpétua - e homicídio culposo - pena máxima de 30 anos de prisão - não explicaram as razões de seu veredicto, porque isso implicaria revelar sua identidade publicamente. O tribunal respeitou a escolha das integrantes do júri de manter o anonimato.
 
A decisão das juradas se baseou nas 27 páginas de instrução entregues pela juíza Debra Nelson, que incluíam duas seções com uma opção para declarar o réu inocente: uso justificado de força letal e dúvida razoável.
 
Antes do início das deliberações, na sexta-feira, a juíza disse ao júri que, segundo a lei da Flórida,"o homicídio de um ser humano é justificável e lícito, se for necessário, quando se resiste a uma tentativa de assassinato, ou se comete um crime grave em relação a George Zimmerman". A Flórida é o estado com maior número de pessoas armadas nos Estados Unidos.
 
Durante quase três semanas, as seis integrantes do júri ouviram dezenas de depoimentos que podem ter criado uma "dúvida razoável".
 
"George Zimmerman não é culpado, se existe uma 'dúvida razoável' de que agiu em legítima defesa", disse o advogado Mark O'Mara às seis integrantes do júri na sexta-feira, antes que começassem a deliberar. Ele insistiu nessa tese, quando comemorou o veredicto no sábado à noite.

Morte "trágica e desnecessária"
 
No domingo, o Departamento de Justiça lembrou que há um ano continua aberta uma investigação federal sobre o caso e que pretende rever a possibilidade de uma ação civil.
Já o procurador-geral dos Estados Unidos, Eric Holder, lamentou a "trágica, desnecessária" morte de Martin.
 
"Independentemente da determinação legal que foi adotada, acho que essa tragédia oferece uma nova oportunidade para a nossa nação falar honestamente sobre os problemas complicados e emotivos que esse caso apresentou", afirmou.
 
O governo deixou claro que manterá distância da polêmica e que Barack Obama não vai interferir na investigação federal sobre a morte de Trayvon Martin, declarou o porta-voz da Casa Branca, Jay Carney.
 
"Essa é uma decisão tomada pelo Departamento da Justiça, pelos promotores com experiência", afirmou Carney, em sua conversa diária com a imprensa, acrescentando que "esse não é um caso, no qual o presidente esteja envolvido".