sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Zumbi e o Quilombo dos Palmares

Zumbi dos Palmares, elevado ao panteão dos heróis da nação brasileira, é o símbolo da resistência contra a exploração do homem branco, nunca se deixou dobrar diante das injustiças do sistema escravista. Hoje, Zumbi dos Palmares, é o grande ícone e testemunho de que negros e negras nunca deixaram de lutar, no passado, contra a escravidão e, na atualidade, contra o racismo e a discriminação racial nas diversas organizações do movimento negro por justiça, por direitos e por liberdade.

Zumbi dos Palmares

A grande preocupação de Zumbi ao fugir da opressão escravista, representada na figura do padre Melo, de quem era coroinha, era libertar-se para libertar. Esta é a palavra-chave que pode caracterizar a vida desse grande herói da liberdade e da causa dos afro-brasileiros

Zumbi e outros negros e negras como Ganga Zumba, Aquatume, Dandara construíram no Brasil, na região da Serra da Barriga, no atual Estado de Alagoas, um pedaço da África, o Quilombo dos Palmares, que se constituiu numa sociedade totalmente diferente da dos brancos proprietários de terras e escravocratas. Nesta nova sociedade, a terra era da coletividade e tudo o que era nela produzido era dividido entre todos. O trabalho era feito por todos, no sistema de mutirão, bem na forma tradicional africana. Palmares constituía uma nova sociedade com uma variedade de culturas agrícolas, onde a produção visava o consumo interno e em alguns momentos a produção excedente era comercializada com as cidades vizinhas. Na sociedade palmarina, governada inicialmente por Ganga Zumba e depois por Zumbi não havia divisão de classes (como era a sociedade colonial dos brancos), nem desníveis sociais, embora houvesse privilégios concedidos aos chefes militares e políticos. O quilombo dos Palmares e os diversos quilombos que existiram em praticamente todos os Estados brasileiros, representavam a única possibilidade, fora da morte, para fugir da escravidão e a tentativa de estabelecer uma comunidade negra, autônoma e livre. O Quilombo dos Palmares era, portanto, um lugar de liberdade, felicidade e justiça.

A ousadia dos negros em Palmares incomodou tanto as autoridades portuguesas da época, que ele foi destruído pelo bandeirante e capitão-do-mato Domingos Jorge Velho, que assassinou Zumbi em 20 de novembro de 1695 e capturou outros negros, fazendo-os retornar à escravidão.

Localização do Quilombo dos Palmares

Mesmo com a destruição de Palmares, a morte de Zumbi e a repressão aos diversos quilombos espalhados pelo Brasil colonial, os negros não deixaram de fugir, lutar e se organizarem pela contra a escravidão e a opressão. Os quilombos foram importantes na luta contra a escravidão, tendo se torna num elemento dos mais importantes no desgaste permanente, quer social, econômico e militar, no processo de substituição do trabalho escravo pelo assalariado e no próprio processo de abolição da escravidão.

• Para as autoridades portuguesa quilombo era “toda habitação de negros fugidos que passam de cinco, em parte despovoada ainda que não tenham ranchos levantados, nem se achem pilões neles”. (02 de dezembro de 1740)
• A palavra Kilombo, do verbo kulomboloka, na língua Kibundo de Angola, significa dispersar-se, fugir a procura de um refúgio sobre a proteção de alguém; o seu plural é ilombo.
• O Quilombo (Kilombo) seria uma espécie de zona franca, de território livre que o escravo fugitivo construía e governava segundo as tradições ancestrais africanas.
• Pode-se verificar a presença dos quilombos em diversas regiões da América: os bush Negrões (Suriname), os Palemques (Guatemala, Peru, Colômbia).

História do Dia Nacional da Consciência Negra

Uma história de subversivos que não se imaginavam como tal

Eles fugiam de complicações com autoridades. Ainda assim, desbancaram o 13 de maio.

Em São Paulo, no Rio e em outras 222 cidades do País comemora-se amanhã o Dia da Consciência Negra. É um feriado recente do ponto de vista oficial e de significado desconhecido para a maioria das pessoas. A história não oficial, porém, é longa e recheada de surpresas. Uma delas é que o berço do feriado que desbancou o dia 13 de Maio foi o Rio Grande do Sul - Estado quase sempre apresentado como terra de gente branca e loira, descendente de alemães e italianos. Outra surpresa: trata-se de uma história de subversivos que não se imaginavam subversivos e que agiam em plena ditadura militar


O ano de 1971, marco zero do Dia da Consciência Negra, foi um dos mais pesados dos anos de chumbo. O general Emilio Garrastazu Médici, por acaso um gaúcho, mandava e desmandava no País e o tempo andava tão fechado que, ao saber que em Porto Alegre um grupo de negros se reunia para discutir a história de Zumbi dos Palmares, o serviço de inteligência do Exército mandou ver o que era. Quis saber se tinha ligação com a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares, ou VAR-Palmares, movimento guerrilheiro que acabou desmantelado naquele ano.

Foram os tais negros - que não tinham nada a ver com a organização clandestina e fugiam de complicações com as autoridades - os idealizadores do feriado de amanhã. Não chegavam a uma dúzia, entre universitários e jovens recém-formados, e se reuniam na Rua da Praia, oficialmente Rua dos Andradas, na época festejada área de circulação de negros, no centro de Porto Alegre.
Paravam diante do prédio da Casa Masson, revendedora de jóias e relógios, hoje ocupado por uma filial das Casas Bahia, e lá ficavam, trocando figurinhas sobre namoros, filmes, clubes de futebol e política. Um dos mais assíduos e animados era o poeta e professor Oliveira Ferreira da Silveira.
Ele conta que, apesar da sombra da ditadura, o debate sobre as grandes questões nacionais fervia e refervia. Foi por aqueles anos, um pouco mais à frente ou para trás, que ele ouviu, em debates na PUC de Porto Alegre, as vozes de personalidades como o pensador católico Alceu Amoroso Lima e os sociólogos Fernando Henrique Cardoso, Octavio Ianni e Florestan Fernandes.

Oliveira fala baixo e pausado e, fora os cabelos brancos, não aparenta a idade de 65 anos. Dono de memória admirável, dessas que permitem ao dono derramar versos e versos no meio de uma conversa, dos mais diferentes autores negros, do cubano Nicolás Guillén ao brasileiro Solano Trindade, sem esforço nenhum, como se fosse uma respirada mais longa, ele guarda com riqueza de detalhes os fatos da época. Recorda que às vésperas do Dia da Abolição, o 13 de Maio de 1971, o grupo enveredou para uma discussão animadíssima sobre o significado daquela data. Ou falta de significado, pois ali era unânime que os negros não tinham o que comemorar. Afinal, eram vítimas de discriminação em qualquer lugar do País.

O mais exaltado era Jorge Antonio dos Santos, o Jorge de Xangô, que fazia teatro e era uma espécie de animador cultural na comunidade negra. Mas os outros não ficavam atrás. Dois anos antes, Silveira escrevera um poema, depois publicado em livro, no qual dizia: "13 de maio traição/ liberdade sem asas/ e fome sem pão."

Na semana passada, conversando com o repórter nas imediações da Rua dos Andradas, entre as passagens suspensas e os arcos do grandioso Hotel Majestic, hoje transformado no Centro Cultural Mário Quintana, numa homenagem ao poeta que lá viveu durante anos, o professor explicou: "Nós negros éramos instados a comemorar o 13 de Maio como nossa grande data. Mas não havia motivo para comemorar. A Lei Áurea aboliu a escravidão, mas não adotou providências para absorver socialmente a grande massa de escravos. Não se fez nenhum movimento para dar terras a essa população. Pelo contrário, eles foram buscar mais migrantes europeus, num esforço de embranquecimento do País."

E então criou-se a dúvida: se não era 13 de Maio, o que seria? Na discussão alguém apareceu com um fascículo da série Grandes Personagens da Nossa História, lançada no final dos anos 60 pela Abril Cultural.

Era o fascículo sobre Zumbi, líder dos quilombos de Palmares e símbolo maior da resistência negra ao escravismo. Lá estava registrado que o assassinato do guerreiro ocorrera no dia 20 de novembro de 1695, em meio ao ataque da última das expedições enviadas para aniquilar o reduto negro formado por quase dez quilombos, na então capitania de Pernambuco.

Foi o estopim. E se fosse comemorado o 20 novembro? Se, em vez da bondosa princesa, o negro insurgente?

O grupo saiu à caça de livros históricos para reunir mais informações sobre o episódio e, principalmente, confirmar se a data da morte estava correta. Uma fonte valorosa foi um livro que Silveira mantém até hoje em sua estante: As Guerras nos Palmares - Dados Sobre a Campanha - Domingos Jorge Velho e a Tróia Negra. Escrito por Ernesto Ennes e publicado na década de 30, era uma obra rica em documentos oficiais, que confirmaram o 20 de novembro. A ironia é que o objetivo de Ennes não foi o de ajudar os negros, mas exaltar os bandeirantes que comandaram as expedições de extermínio.

Entusiasmada com seus achados, a rapaziada decidiu formar um grupo de estudos. Silveira estava entre os quatro que toparam a empreitada. Formado em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com especialização na língua francesa, ele dava aulas em escolas da rede pública e achava que estava em falta com a militância do movimento negro desde a leitura, anos antes, do livro Reflexões Sobre o Racismo, de Jean Paul Sartre. "Eu estava atrasado", conta o professor, cujo pai era branco e uruguaio e a mãe, negra e nascida numa comunidade rural de Rosário do Sul, no centro-oeste do Estado.

O segundo integrante do grupo de estudos era Antônio Carlos Cortes, estudante de Direito que ouvira muito sobre racismo em casa por causa do pai, que, embora tivesse boa formação educacional e falasse inglês, nunca conseguiu ir além do cargo de contínuo numa repartição pública. Ainda faziam parte do grupo Ilmo Silva, estudante de Economia, que cursara o ginásio numa escola particular onde era o único negro; e Vilmar Nunes, estudante de Administração e funcionário público.

Em 20 de julho de 1971 os quatro oficializaram a formação do Grupo Palmares e acertaram a realização de três atividades públicas. As duas primeiras foram homenagens a Luiz Gama e José do Patrocínio, negros e precursores da luta abolicionista.

A terceira e mais importante foi programada para 20 de novembro. Seria no Clube Náutico Marcílio Dias - que não tinha nada de náutico, mas era um dos mais animados dos quase dez clubes de negros que funcionavam em Porto Alegre.

Alguns desses clubes tinham se constituído como grupos de ajuda. Entre outras coisas providenciavam enterros dignos para os mais pobres. Outros eram clubes sociais, para bailes e blocos carnavalescos, necessários numa cidade onde os clubes de brancos recusavam pessoas de pele negra.
No fundo, eram espaços de resistência contra a discriminação. O mais antigo, o Sociedade Beneficente e Cultural Floresta Aurora, criado em 1872, antes da Lei Áurea, funciona até hoje.

E aqui vale um parêntese para dizer que a importância desses clubes no Estado já foi tão grande que a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) decidiu escolhê-lo para abrigar o 1.º Encontro Nacional de Clubes Negros, previsto para o próximo fim de semana em Santa Maria, no centro do Estado.

Voltando a 1971: dias antes do encontro do 20 de novembro, um jornal porto-alegrense anunciou que seria uma homenagem dos "negros do teatro" a Zumbi. Não deu outra: no dia seguinte, um agente da Polícia Federal bateu no clube e advertiu que, se fosse teatro, era preciso submeter o texto à censura prévia.

"Para não causar complicação, escrevemos um roteiro da apresentação que faríamos sobre Zumbi e levamos até a PF", conta Silveira. "Leram, aprovaram e aplicaram o carimbo, sem o qual não se podia fazer nenhuma exibição. Guardo a página carimbada até hoje."

Receoso, o grupo adotou o mesmo procedimento em todos os eventos que promoveu a partir dali: escrevia o roteiro e saía atrás do carimbo da PF. "O agente encarregado me recebia bem, com simpatia. Até nos cumprimentávamos na rua."

Na data marcada, um sábado à noite, apareceram 12 pessoas, somando aí os integrantes do Palmares. Ficaram reunidas durante duas horas no Náutico, que funcionava numa casa já demolida, na Avenida Praia de Belas, quase esquina com a José de Alencar. A maior parte do tempo foi tomada com uma apresentação sobre Zumbi e sua importância para o movimento negro. Foi um sucesso.

Ao fundo, sem se juntar ao grupo, um senhor branco assistiu em silêncio. Ao final foi se apresentar. Era o historiador gaúcho Décio Freitas, respeitado estudioso de insurgências populares, que se exilara no Uruguai após o golpe de 1964.

Recém-chegado do exílio e ainda temeroso de aparecer em público, ele fora até o Náutico para presentear o grupo com um livro que acabara de lançar em Montevidéu. Chamava-se La Guerrilla Negra e tinha Zumbi como tema.

No ano seguinte, o grupo, engrossado por novos associados, fez nova comemoração no 20 de novembro. Dessa vez ganhou um empurrão da Revista Zero Hora, que publicou um encarte de sete páginas chamando a atenção para a questão negra.

Em 1973, a programação foi mais extensa, com show musical, exposição de obras de artistas plásticos negros e uma palestra de Décio Freitas.

Aos poucos os eventos gaúchos atraíram a atenção da mídia nacional e de grupos negros de outros Estados, que também passaram a adotar o 20 de novembro. Finalmente, em 1978, o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial adotou a data, batizando-a de Dia Nacional da Consciência Negra. Mais recentemente os poderes públicos abraçaram a idéia, dando origem ao feriado de amanhã, celebrado principalmente em cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Mato Grosso. [...]

Publicado no O Estado de S.Paulo, Caderno Aliás, 19/11/06, pelo jornalista Roldão Arruda. Não incluímos aqui a parte final do texto.
* O professor e poeta Oliveira Silveira faleceu no dia 1/1/2009 na cidade Porto Alegre.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

O movimento da Negritude

A Negritude tem a sua origem nos movimentos culturais protagonizados por negros, brancos, mestiços que, desde as décadas de 10, 20, 30 (século XX), vinham lutando por renascimento negro. O principal objetivo do movimento da Negritude era a busca e a revalorização das raízes culturais africanas, crioulas e populares.

A ideia de renascimento, indigenismo e negrismo surge como consequência das luzes e do romantismo, que levaram à abolição da escravatura e finalmente à possibilidade de, após a Revolução Francesa de 1789, os povos supostamente poderem assumir a liberdade e igualdade.


Aimé Césaire (1913-2008)


O termo "Negritude" aparece pela primeira vez escrito por Aimé Césaire, em 1938, no seu livro de poemas, Caderno de um regresso ao país natal (Cahier d'un retour au pays natal); está intimamente associado ao trabalho reivindicativo de um grupo de estudantes africanos em Paris, nos princípios da década de 30, de que se destacam como principais responsáveis e dinamizadores Léopold Sédar Senghor (1906) senegalês, Aimé Césaire (1913), martinicano, e Leon Damas (1912), ganês. Estes autores da Negritude legaram-nos uma obra literária da máxima importância; mas foi Senghor que, com a Presidência do seu país (Senegal) e uma larga aceitação Ocidental (política literária e acadêmica) contribuiu decisivamente para a divulgação da Negritude.


Léopold Senghor (1906-2001)

É a Senghor que são atribuídas as primeiras tentativas de definição do conceito de Negritude: "Conjunto dos valores culturais do mundo negro”.
 
Eis alguns valores característicos do homem negro:
  • o homem negro é essencialmente religioso e cultural, ritual e celebrante, porque para ele existe um ente supremo, o "sagrado", que é o verdadeiro real
  • o homem negro é simbólico, porque o seu mundo é o mundo das imagens e do concreto; todas as realidades materiais, visíveis e imediatas são anunciadoras e portadoras de outras realidades
  • o homem negro é o homem de coração, porque, para além do corpo, da forca vital, da habilidade, do entendimento e de todas as outras qualidades humanas, é ainda pelo coração que o homem se define, que o homem vale e é julgado; para usar a categoria de um provérbio africano: "o coração do homem é o seu rei".

Importa revelar ainda que chegou mesmo a haver grandes figuras Ocidentais dizendo que a negritude era também um movimento racista. Mas isso não corresponde à verdade, porque se para Césaire a "Negritude", no início, se fez racista simplesmente para realçar os seus valores, a sua dignidade e afirmá-los, para Senghor era ainda algo mais do que isso: a "Negritude" é um humanismo, porque todas as raças tinham lugar neste universo civilizacional de inspiração do homem.

Léon Damas (1912-1978)

É de capital importância referir-se ainda que a "Negritude" não surgiu apenas com o objetivo da recuperação da dignidade e da personalidade do homem e da mulher africanos, mas também como um movimento que contribui para impulsionar o processo de descolonização do continente africano.

Texto de Nilton Garrido (SEUC Sec - Turma AS) encontrado em http://www.prof2000.pt/users/hjco/alternativas01/pag00009.htm (acesso em 10/09/10).
As imagens foram incluídas por nós no texto.