segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Apenas um prefeito de capital eleito em 2012 é negro


Akemi Nitahara - Repórter da Agência Brasileira

 Rio de Janeiro – João Alves Filho, do Democratas, é o único negro entre os prefeitos de capital que tomaram posse no dia 1º de janeiro. Ele volta ao cargo em Aracaju (SE), depois de ter sido prefeito da cidade na década de 1970 e governador do estado em duas ocasiões.
 
O professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Marcelo Paixão, coordenador do Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Sociais (Laeser) do Instituto de Economia (IE) lembra que, no Brasil, poucos negros exercem funções de destaque. Essa mudança de paradigma já ocorreu nos Estados Unidos, que reelegeram um negro para a presidência.
 
“O Barack Obama é produto de uma coisa que mudou nos Estados Unidos, que foi o acesso da população negra aos espaços sociais mais prestigiados. A política eu não diria que foi [a área] mais privilegiada dessa mudança não, mas [isso se observa] no acesso às universidades, a grandes empresas, na mídia, há uma visibilidade pública maior. E isso acaba favorecendo que as pessoas achem menos estranho ter pessoas diferentes, de pele escura, exercendo funções de comando”.
 
Paixão lembra que os Estados Unidos têm uma história que se inicia com a guerra civil e passa pelo período das leis segregacionistas, o que nunca ocorreu no Brasil. Mesmo assim, os norte-americanos produziram um presidente de evidente origem negra e o Brasil não.
 
Para a deputada federal Benedita da Silva, apesar de o Brasil ainda não eleger muitos negros, outras lutas e representações sociais importantes foram alcançadas nos últimos anos.
 
“Os Estados Unidos já elegeram e reelegeram um negro para a presidência. E o Brasil ainda não conseguiu, mas já elegeu um operário, elegeu uma mulher, penso que estamos avançando, porque são lutas muito importantes também, e a cada dia vemos esses movimentos crescer e serem representados. Creio que daqui a pouco a comunidade negra vai estar em outro patamar”
 
Para a assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) Eliana Graça, o problema é cultural e histórico, envolvendo a disputa do poder.
 
“Os negros não se candidatam não é por que não têm competência, não é bem isso. Primeiro que você tem uma cultura na sociedade que é machista e racista, né, então nós ainda não conseguimos derrubar esse racismo, nós temos uma história de submissão da raça negra, a questão da escravidão, que a gente não superou totalmente”.
 
Eliana considera que houve avanços, mas os próprios partidos políticos não oferecem oportunidades iguais de acesso às candidaturas. Além disso, ela destaca que os negros são a parcela da população que tem menos acesso à renda e a um bom trabalho.
 
“Com essas campanhas milionárias, como é que os negros concorrem, sem ter o financiamento público de campanha? Porque hoje se elege quem tem dinheiro”.
 
A secretária de políticas de ações afirmativas da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Ângela Nascimento, afirma que, se por um lado existe a ideia de que os negros são importantes na vida da sociedade brasileira, por outro eles não são vistos como tendo as mesmas condições dos brancos para ocupar os espaços de decisão.
 
“Se nós somos um Brasil que sempre foi colocado como miscigenado e se há uma participação bastante expressiva da população negra, porque há sub-representação da população negra nessas instâncias [de poder]?”
 
Para Ângela, se todos são iguais, os negros também podem dividir igualmente os espaços de poder. “Considerando que essas desigualdades estão concentradas na população negra, é fundamental que ela seja protagonista dessas mudanças”. De acordo com ela, o Brasil criou o imaginário perverso de que negros são ótimos para trabalhar e incapazes de comandar, algo que precisa ser transformado.
 
Edição: Tereza Barbosa
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sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

História do tango

O tango nasceu num bairro de descendentes de africanos escravizados na Argentina



Exposição em Buenos Aires revela a “história negra” do tango

Buenos Aires – O tango, de raízes suburbanas, tem também uma “história negra” que se relaciona com os ritmos afroargentinos, um “segredo” que foi resgatado pelo antropólogo Norberto Pablo Círio.
 
“Apesar de sempre existir esse rumor sobre a presença negra no tango, esse assunto nunca foi bem estudado e compreendido”, explica Círio à Agência Efe, promotor da exposição “Historia Negra Del Tango”, que acaba de ser inaugurada em Buenos Aires. O antropólogo decidiu entrar em contato com a comunidade argentina de ascendência africana para saldar essa “dívida histórica e social com um dos grupos fundadores do país”.

Desenho de casal de negros dançando tango. Publicado no periódico “La Ilustración Argentina”, de Buenos Aires, em 1882

Sob o lema que “tudo tem sua história negra, mas desta vez estamos orgulhosos”, o antropólogo organizou uma mostra composta por mais de uma centena de peças que pretendem provar este pioneiro enfoque sobre uma realidade que havia sido vagamente tratada na academia e sempre a partir de uma perspectiva branca, lembra Círio.
 
Partituras, discos e fotografias originais de época e em sua maior parte inéditas cedidas para a ocasião formam o percurso feito nas últimas décadas do século 19 e analisa o candombe, “a música e o baile distintivos e emblemáticos desta comunidade”, e a música de carnaval, que para Círio desenham o contexto no qual nasceu o tango.
 
A exposição aprofunda na presença de afroargentinos nos diferentes períodos do tango como gênero, a partir da figura de Rosendo Mendizabal, “um marco indiscutível” nas origens do tango, opina o especialista.
 
“Joia”
 
A maior “joia” da mostra, instalada no museu Casa Carlos Gardel, é uma partitura original de 1897 de “El Entrerriano”, uma das mais importantes composições de Mendizabal, cuja publicação marcou para Círio a origem da “Guardia Vieja” como período estilístico do tango.
 
A exposição destaca também as figuras do compositor e músico Ruperto Leopoldo Thompson, quem introduziu o chamado estilo “canyengue”, e do pianista e compositor Horacio Salgán, cujo tango “A fuego brando” foi “o germe de todo o movimento estético de Astor Piazzolla e sua escola”, assegura o antropólogo.
 
Outro dos compositores destacados na mostra é Enrique Maciel, cuja valsa “La pulpera de Santa Lúcia”, de 1929, é de acordo com Círio “o hino, a obra emblemática das valsas crioulas”.
 
“Desde a origem do tango até o presente sempre houve músicos, compositores e dançarinos negros”, explica à Efe Horacio Torres, diretor do museu, quem lembra que dois dos seis guitarristas de Gardel eram afroargentinos.
 
Completam a mostra partituras e discos de compositores brancos como Sebastián Piana e músicos como Alberto Castillo, que tratam a partir de diferentes perspectivas a temática da negritude.

Gabino Ezeiza , um dos representantes do Tango Afro Argentino

Consulta inédita
 
Círio considera que o inovador desta proposta é que “nunca antes a comunidade afroargentina tinha sido consultada e estudada, não havia sido dada uma oportunidade, espaço para uma palavra, voz e o voto a esta parte da história”.
 
Para ele, “no melhor dos casos que escreveram a favor desta teoria sempre o fizeram com base unicamente em documentos escritos por brancos, o que tornava a abordagem parcial.
 
“Esta questão foi mal estudada por falta de provas, mas fundamentalmente pela curta visão europeísta, resultante de como pensam os argentinos como nação”, em cuja construção da identidade “se enfatizou um projeto branco europeu e cobriu-se com um manto de esquecimento as outras tradições culturais anteriores, como a negra e a aborígine”, conclui.

Elena Arsuaga
Serviço:
“LA HISTORIA NEGRA DEL TANGO”
Onde: Museu Casa Carlos Gardel (Jean Jaurés, 735, Abasto, Buenos Aires, Argentina)

Compartilhada por Haroldo Oliveira.
https://www.facebook.com/notes/rucangola-ruca/a-historia-negra-do-tango-o-tango-nasceu-num-bairro-de-descendentes-de-escravos-/2145990667183
Fonte:Combate ao Racismo Ambiental / racismoambiental

A ascensão dos negros no Brasil

Rumo a um futuro mais igual

 

 
 
Aos poucos, a população afrodescendente conquista importantes espaços na sociedade brasileira e de outros países. Contudo, muitas distorções precisam ser superadas
 
Se alguém, por um motivo qualquer, tivesse passado os últimos 10 anos dormindo e acordasse no fim de 2012, certamente teria uma surpresa com o destaque dado a personalidades negras no país e no mundo. Essa pessoa veria o rosto de Barack Obama estampado na capa da revista Time, e descobriria que o homem de raízes africanas, eleito personalidade do ano pela publicação, comanda a mais poderosa nação do mundo. No Brasil, ela testemunharia os elogios frequentes feitos nas ruas e nas redes sociais a Joaquim Barbosa, e saberia que um afrodescendente preside hoje a mais alta Corte do país, o Superior Tribunal Federal (STF).
 
Mesmo que Obama e Barbosa possam ser considerados casos excepcionais, suas histórias estão conectadas a um movimento real — ainda que lento — de ascensão dos negros em vários países. Aos poucos, eles deixam de ser importantes apenas nas artes e nos esportes (áreas às quais pareciam limitados pelo preconceito social) e passam a influenciar os destinos da economia, da política e do pensamento mundial. Esse processo dá esperanças de que uma sociedade mais igualitária esteja se formando e, a curto prazo, tem um impacto direto na autoestima dessa população, que passa a não ter mais vergonha de assumir sua origem.
 
No Brasil, esse fenômeno é nítido. “Durante muito tempo, persistiu o absurdo de pessoas com a tez negra ou com os traços afros se declararem como brancas”, afirma Nelson Inocêncio, coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab), da Universidade de Brasília. “À medida que a situação social melhora, mais pessoas assumem sua identidade”, completa. A fala de Inocêncio é amparada por dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No último censo, de 2010, pela primeira vez na história, o percentual de pessoas que se declararam de cor preta ou parda (50,7%) foi maior do que o de indivíduos que se consideravam brancos (47%).
 
O estudo Dinâmica demográfica da população negra brasileira, feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), aponta que esse fenômeno pode ser em parte explicado pela maior fecundidade das mulheres negras em relação às brancas. Contudo, ressalta a pesquisa, é fato que houve um aumento do número de pessoas que agora se declaram pardas e que antes preferiam dizer que eram brancas.
 
Desafios
Apesar dos avanços, ainda há um longo caminho a ser percorrido. Embora 75% das pessoas que ingressaram na classe média nos últimos anos sejam negras, segundo dados da Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República, essa parcela da população ainda ganha menos, enfrenta maior desemprego e tem menor escolaridade. Ainda segundo o Censo 2010, os rendimentos mensais médios de brancos (R$ 1.538) e amarelos (R$ 1.574) são quase o dobro dos de pretos (R$ 834), pardos (R$ 845) e indígenas (R$ 735).
 
A realidade ainda desigual, reproduzida em maior ou menor escala em diversas outras nações, justifica a decisão das Nações Unidas de declarar os próximos 10 anos a Década das Pessoas com Ascendência Africana. Com a iniciativa, a ONU espera acelerar o processo de construção de uma sociedade mais igualitária e ajudar no reconhecimento internacional da importância do continente africano na constituição do mundo contemporâneo.
 
Para o antropólogo Milton Guran, pesquisador do Laboratório de História Oral e Imagem (Labhoi) da Universidade Federal Fluminense (UFF), a África vem tendo, aos poucos, esse destaque. “A presença da África no mundo, em todos os campos, será cada vez maior. O mundo ocidental não existiria sem a incomensurável contribuição dos africanos, tanto no campo econômico quanto nos planos espirituais e culturais”, afirma. “O reconhecimento da África como protagonista maior da construção do mundo ocidental é um processo irreversível”, completa o professor.
 
História
Assim, a visão eurocêntrica da história, ou seja, contada a partir do ponto de vista europeu, ganha contornos mais diversos, seja fora ou dentro do Brasil. “O país é tão negro quanto indígena e europeu. Como se diz à exaustão, é essa multiplicidade de raízes que faz a nossa força, a nossa singularidade como nação”, afirma Guran. Essa diversidade vem deixando de ser um mero discurso para virar um instrumento de transformação social do Brasil. “Nas últimas décadas, temos assistido a um aumento progressivo da consciência e da ação reivindicatória dos afrodescendentes e dos povos indígenas, com um apoio cada vez mais amplo do conjunto da sociedade, apesar das resistências de setores mais conservadores.”
 
Independentemente da cor da pele ou das origens de seus antepassados, reescrever a história do país e do mundo de maneira mais democrática é um processo que interessa a todos .”A reconstrução de uma memória coletiva — não só dos afrodescendentes diretos, mas de toda a nação — deve induzir toda a sociedade a reavaliar seus valores e preconceitos. Repensar a história da escravidão e das suas consequências é repensar toda a história do Brasil, nossa trajetória como nação”, afirma Guran, que é o representante brasileiro no Comitê Científico Internacional do Projeto Rota do Escravo, da
 
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). “Hoje, temos uma memória nacional que não se sustenta completamente por subdimensionar ou mesmo deixar de lado a força positiva da contribuição dos africanos e de seus descendentes para a construção do país e da nossa identidade nacional”, completa.
 
Assim, não faz sentido valorizar tantos aspectos ricos da cultura brasileira, como a música, a dança, a culinária, a agricultura e a engenharia sem valorizar aqueles que contribuíram de maneira direta para o desenvolvimento dessas áreas. “Mesmo com toda a violência que foi a escravidão, é inegável que ela produziu uma troca sem precedentes entre os diversos povos envolvidos nesse processo”, afirma Irina Bokova, diretora-geral da Unesco. “Assim, é preciso dar um lugar mais positivo e respeitoso para o continente africano.”
 
O segundo
Barack Obama, que já havia sido escolhido a personalidade do ano pela Time quando foi eleito presidente dos Estados Unidos pela primeira vez, é a segunda pessoa negra a receber essa homenagem nos 86 anos da publicação. A outra foi o ativista americano Martin Luther King Jr., assassinado em 1968.
 
MAX MILIANO MELO, Correio Braziliense
Fonte: http://www.advivo.com.br